Opinião: A covid-19 e a Fronteira Eficiente de Marcowitz

Assim como uma pandemia era prevista por diversos estudos, outras nuvens escuras no horizonte vêm da indústria petrolífera e da economia de carbono como um todo contribuindo para as mudanças climáticas

Por Luciano Gurgel

A crise do covid-19 nos impõe um novo momento tão fundacional quanto o crash de 1929, pois está ficando claro para os agentes econômicos que as duas variáveis máximas do mercado financeiro, risco e retorno, já não dão conta de construir as ferramentas mais apropriadas, para o conjunto das sociedades, para as tomadas de decisões de investimentos.

A Bolsa de Valores de Nova York, fundada em 1817, canalizando a poupança dos americanos com um objetivo único de maximizar o retorno dos seus investimentos, levou pouco mais de 100 anos, até a quebra em 1929, para perceber uma nova variável na equação ao lado do retorno: risco associado a cada rentabilidade prometida ou suposta.

E demorou até a década de 1950 para Harry Markowitz, futuramente laureado in memoriam Nobel de Economia, formulasse a Fronteira Eficiente, ou Fronteira de Marcowitz - um tratado teórico que estabelece um portfólio ótimo de alocação de recursos a partir de uma série de pontos de retorno ponderados pelos riscos associados a cada um deles.

A Fronteira Eficiente é, ainda hoje, uma ferramenta importante para a tomada de decisões de gestores de recursos. Ela combina o distribuir os ovos em diversas cestas com a ideia de que a cada cesta há um risco associado de os ovos caírem e se perderem.

Uma lição bem aprendida pelos agentes econômicos, que, desta forma, incorporaram o entendimento dos riscos às decisões de investimento tomadas desde então.

Mas agora há uma terceira variável se impondo: os impactos socioambientais desses investimentos.

A sucessão das síndromes respiratórias agudas causadas por vírus é algo novo e um desafio importante para a comunidade científica, que tem muito a investigar sobre isso.

Se por um lado há questões claras a serem tratadas no curtíssimo prazo, como os mercados de animais vivos, o consumo de animais silvestres como alimentos e seu confinamento, há outras circunstâncias que talvez não tenham se mostrado de forma tão clara.

Assim como uma pandemia era prevista por diversos estudos, outras nuvens escuras no horizonte vêm da indústria petrolífera e da economia de carbono como um todo contribuindo para as mudanças climáticas; dos antibióticos e hormônios usados na indústria de proteína animal; dos fertilizantes, pesticidas, defensivos e sementes transgênicas usadas nas culturas agrícolas que alimentam a indústria de proteína animal, entre outras origens.

São todas indústrias que, já sabemos, possuem um vasto impacto negativo socioambiental. Ainda que esse impacto não desabe de uma vez sobre o mundo, como os desta pandemia, e não tenhamos ideia de quão perversos serão os danos, temos relativa segurança ao afirmar que não poderemos fugir dessa conta, que chegará.

Hoje, assim como em 1929, temos a opção de seguir insistindo em mecanismos de tomada de decisão que nos levaram à ruptura. Mas também temos a opção, assim como em 1929, de aprender com os ensinamentos da crise de agora.

Entender quais são os componentes estruturais que a geraram e, a partir daí, reformular as ferramentas e fazê-las mais aderentes à realidade que, como as circunstâncias, se impõem.

Já há iniciativas neste sentido. Os Fundos ESG (na sigla em inglês, meio ambiente, sociedade e governança) investem em empresas comprometidas a gerar transformações em uma das três esferas, os Green Bonds, títulos de dívida emitidos por empresas com impacto ambiental positivo, e os Social Impact Bonds são exemplos de que há, por parte de investidores, demanda crescente por ativos que se comprometam a zelar não apenas pelo retorno, mas também pelos impacto socioambientais.

Em sua carta anual aos investidores, Larry Fink, fundador e CEO da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com mais de US$ 7 trilhões sob gestão, disse que “todo governo, empresa e acionista deve combater as mudanças climáticas”.

No entanto, estas iniciativas são, até o momento, fruto da conscientização de pequena parte dos agentes econômicos, como pode se ver em análises de valuation, que atualmente entendem os impactos negativos das empresas como “externalidades”, como se a elas não pertencessem.

Em breve, os impactos negativos decorrentes de atividades empresariais, tais como doenças, rompimento de barreiras, contaminação do meio ambiente etc., passarão a ser entendidos cada vez mais como um custo para quem os causa.

Porque haverá uma pressão por parte da sociedade para identificar quem gerou determinado custo socioambiental.

A partir disso, ainda que não haja uma estimativa clara ou estabelecida por governos sobre esses custos, as análises de valor passarão a incorporá-los nos valuations das empresas. Isso já ocorre, por exemplo, com as mineradoras. É atribuído a elas um custo potencial pelas compensações necessárias em casos de desastres ambientais como o de Brumadinho e Mariana.

Isso estará refletido no valor que se atribui a cada empresa.

E este movimento, assim como ocorreu depois da crise de 1929, vai mudar o cenário de avaliação dos investimentos. Uma nova ferramenta de análise surgirá.

Que uma terceira variável seja incorporada à Fronteira Eficiente de Marcowitz, e que os agentes econômicos saibam agir como seres racionais que são e adaptem suas lentes para o mundo novo que se descortina ante seus olhos – com a covid-19 dando uma mostra de quão forte podem ser as consequências de cenários que se desenham à nossa frente.

Elaine Coutrin